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Mulheres na Música: conheça Kely Guimarães


A manauara Kely Guimarães tem mais de 11 anos de carreira com diversos trabalhos autorais lançados, entre eles os singles `Pranto Silencioso` e `Mosaico`, que foram para as plataformas digitais durante a quarentena.


Compositora, artista musical, multi-instrumentista e pesquisadora de música popular, Kely representa hoje o Mulheres na Música no Just Play!


Confira aqui:


Just Play! - Como começou a sua história na música e em que momento você decidiu seguir carreira?

Kely - Começou numa brincadeira quando eu tinha por volta dos 11 anos de idade. Na vila onde eu morava eu e mais outras crianças tivemos a ideia de montar uma banda, o curioso é que ninguém tocava nenhum instrumento, acho que um dos garotos tocava flauta, mas os demais “tocavam” baldes, latas e outras sucatas. Aí nessa situação me ocorreu de escrever músicas, eu lembro que até montei um encarte com as músicas, foi a partir daí que me interessei em escrever mesmo. Mas só fui aprender um instrumento a partir dos 15 mais ou menos, tive aulas de guitarras e depois de canto. Decidi trabalhar profissionalmente com música quando entrei no curso de Graduação em Música. Ali eu vi que queria viver e aprimorar minhas habilidades.

Just Play! - Antes de você seguir carreira solo, você fez parte do Bquadro. Qual é a maior diferença, na sua opinião, entre estar num grupo e solo?

Kely - Bem, acho que a maior é diferença está relacionada a conciliar o tempo de cada um, em banda como eram músicos fixos, era um tanto complicado agendar ensaios, shows, atender os compromissos verificando a agenda de cada integrante. Como era eu quem ficava responsável por essa parte, era um tanto desgastante. Hoje, em carreira solo, se um músico não puder, não tenho exatamente esse compromisso de me adequar a agenda dele, eu posso chamar outro músico que me atenda, por exemplo.

Just Play! - O seu primeiro trabalho solo foi "Essência", em 2013, em 2016, você lançou o álbum "Crescente", e o EP "Virtual" em 2019. Como foi a experiência de cada projeto e qual é a maior diferença que você enxerga entre os 3 trabalhos? Amadurecimento, estilo, composição...

Kely - Cada trabalho é como uma espécie de retrato de um momento artístico. Essência foi uma tentativa de saber como me apresentar, tem um peso maior com certeza. Tinha a ver com o que eu sentia e pensava na época, e me surpreendeu a receptividade do público. Esse EP foi o empurrão que eu precisava pra seguir, sabe?! Com ele ganhei experiência e maior confiança no processo de produção mesmo, ganhei três premiações da Rádio Manifesto Norte no ano de 2013 por conta desse trabalho entre eles “Escolha da Audiência”;

Crescente, foi algo muito mais planejado, organizado e elaborado de modo geral, gosto de como ele soa e fico feliz com o feedback que recebo ainda hoje sobre ele. Trabalhar com o Bruno Prestes, que é uma referência musical local para mim, foi muito significativo. O EP Virtual, foi uma experimentação total, foi um trabalho que elaborei praticamente todo num aplicativo de música chamado Garage Band, me parecia interessante a possibilidade de fazer música ali e trabalhar com o César Lima (Across Music Production), que é um cara que trabalha com trilha sonora de games, foi bem interessante nesse processo. Acho que cada trabalho tem uma característica própria, sou eu ali em diferentes momentos, mas tem também várias mãos que contribuíram de alguma forma, pras suas respectivas sonoridades.

Just Play! - É possível enxergar uma pegada pop rock e MPB no seu trabalho. O seu contato com esses estilos musicais vem desde nova? Influências de família?

Kely - Posso dizer que a minha família tem um aspecto mais de ouvinte, eu tenho um tio que tocava corneta e tan tan na sua época de escola, mas dentro de casa mesmo a experiência se limitava a ouvir música. Minha vó ouvia rádio AM, então ali tinha um tipo de música, já meus tios ouviam mais rock de todos os tipos, e acho que isso acabou se tornando minha maior referência de sonoridade. Depois eu mesma, passei a procurar sonoridades que me agradavam. Na adolescência eu ouvia muito Silverchair, Oasis, Led Zeppelin, coisas do tipo. Na infância e adolescência eu ouvia bastante o som de muitas bandas de rock, pois meus tios ouviam em casa e eu assistia muito MTV também, talvez seja por isso. Quando comecei a estudar música na Universidade ampliei mais minhas referências musicais, e passei a ouvir bastante música popular brasileira e música erudita de períodos históricos diferentes, hoje escuto todos os tipos de som (de música celta folclórica a Jorge Aragão rs) apesar de músicas com pegada mais rock terem grande impacto em mim por conta da memória afetiva.

Just Play! - Como é a cena musical em Manaus? É "democrática"? Tem espaço para todos os estilos musicais? As pessoas prestigiam?

Kely - Essa é uma discussão complexa, eu trato desse assunto na minha dissertação de mestrado que defendi em março deste ano: “Reflexão sobre o trabalho, vivências e práticas musicais de mulheres compositoras em Manaus a partir de 2000”e lá trago mais de 200 páginas a respeito das complexidade de ser artista, compositora nesse campo. Mas de modo geral, o que posso resumir aqui, é que o campo musical em Manaus é um espaço de lutas e resistências, porque ainda hoje mesmo diante de uma proficuidade significativa as artistas, de modo geral, ainda passam por preconceitos de gênero, de cor e de sexualidade. Se já rola uma invisibilidade de trabalhos autorais locais de modo geral, para as mulheres isso se acentua em diferentes proporções. Mesmo assim, nós estamos produzindo, buscando aprimorar nossa arte e colaborando umas com as outras, o aspecto da luta deve ser entendido aqui, penso eu, diante de tudo que já estudei sobre esse assunto, é que apesar de algumas disputas, parte significativa de artistas entende que uma atitude colaborativa nos beneficiará mais, e contribuirá para algo maior, para a música autoral, para a autonomia sobre seu próprio trabalho. Por isso que falo de luta e resistência, não é simples fazer nossa música circular, a Internet ajuda muito, mas os meios de comunicação locais ainda estão colonizados, poucas emissoras e rádios executam e fomentam o trabalho de artistas locais e consequentemente isso tem um reflexo negativo para quem produz e vive de música.

Just Play! - Você criou uma série de singles para serem lançados durante a pandemia. Como surgiu essa ideia? E como foi a recepção das pessoas que te acompanham com esse novo projeto?

Kely- Essa série de singles não foi algo deliberado, foi algo que eu vi a possibilidade e me permiti. Quando começou essa coisa toda da pandemia e tinham fechado os espaços, eu tinha acabado de defender minha dissertação, tava doida pra sair e espairecer depois de um longo período de reclusão por conta da elaboração da escrita, essas coisas. Daí no isolamento, eu fiquei meio sem saber o que fazer e muito mexida em vários âmbitos, com essas questões da morte, do luto, gerados pela Covid-19. Eu tive um período de estranhamento e medo mesmo. Em meio a isso eu já tinha ouvido falar da Mady, ela tinha produzido trabalhos que eu tinha curtido, como o da Jade Safirah e Triallis, então eu iniciei uma conversa e partimos para a primeira produção que foi de “Pranto Silencioso”(apesar dela ter sido o segundo single lançado, ela foi a primeira que trabalhamos). Pra uma produção totalmente remota, o resultado me surpreendeu e isso me fez um bem enorme e me deu novas perspectivas. Resolvi elaborar um trabalho por vez e curtir o momento de cada lançamento, falando de temas que eu acho que são necessários de se falar como relacionamentos abusivos, preconceitos, morte, etc. Na verdade tinha poucas pretensões com elas, mas tem sido muito interessante e animador o feedback do público a respeito desses trabalhos.

Just Play! - Qual é a sua opinião sobre as mulheres na música? Acredita que a cena está mudando, as mulheres estão tendo mais espaço?

Kely - Acho que isso de certa forma tenha a ver com o que respondi na pergunta 5. Acho que o que as mulheres conquistaram até aqui foram à custa de muito esforço e luta e nesse processo ocorrem diferentes adversidades. No campo musical manauara ainda há muito sexismo, machismo e preconceitos, nós como sociedade temos muito que aprender em termos de cidadania mesmo. Todas essas questões, de algum modo, têm reflexos no trabalho musical das mulheres. Eu tenho onze anos de carreira e tenho atuado aqui todo esse tempo, e vejo que pouca coisa mudou. Ações pontuais dão uma diferenciada do todo, mas faltam políticas públicas efetivas para o fomento e dignidade dos trabalhadores culturais no geral. Mas como eu disse ser artista e mulher nesse campo requer força em vários sentidos, não é fácil, porque além de romper com as opressões cotidianas (isso se agrava se for mãe, negra, LGBTQI+, morar na periferia) ainda há de se romper com uma mentalidade elitista e conservadora fortemente enraizada na mentalidade local.


Conheça aqui o trabalho da Kely Guimarães:



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