A paraense Ellie Valente é uma artista independente de rock. Formada em música pela Universidade Federal do Estado do Pará (UEPA), ela começou a carreira como guitarrista, passou três anos como instrumentista de uma banda e atualmente trabalha com o trabalho solo.
Hoje Ellie representa o Mulheres na Música, onde vai contar sobre a sua carreira, rock nacional e representatividade feminina na música.
Confira aqui:
Just Play! -De que forma você decidiu entrar para o meio musical? Como foi esse processo?
Ellie - Costumo dizer que a música me escolheu. No meu ambiente familiar sempre ouvíamos música, mas essas vivências não me despertaram interesse suficiente para viver disso, à época. Tudo aconteceu na adolescência quando tive o primeiro contato com o violão de uma amiga: ela o levou pra casa e não sabíamos nem como carregar o instrumento. Ainda assim, foi paixão à primeira vista e comecei a aprender sozinha com a ajuda das revistas de cifras. Não muito tempo depois essa mesma amiga me convidou para fazer o teste para o Conservatório de Música, topei na hora. Pra nossa surpresa eu passei e ela não. Foram quase seis anos de Conservatório até chegar no vestibular, aquele momento que você precisa tomar a decisão mais importante da sua vida, ali eu não imaginava mais viver sem a música, mas para não desesperar meus pais com a minha escolha, prestei vestibular para licenciatura em música e também para psicologia. Não preciso dizer em qual eu passei e qual reprovei, né?! (Risos)
Minha primeira banda surgiu na universidade, uma formação 100% feminina. Queríamos tocar rock e a guitarra não poderia faltar no time. Assumi o desafio sem nem saber tocar direito e sem ter o instrumento. Deu certo e desde então nunca mais parei de tocar na noite, foram quase 10 anos de estrada até chegar na cena autoral e agora na carreira solo.
Just Play! - Como você enxerga a cena do rock independente no Brasil atualmente?
Ellie - As pessoas falam que o rock morreu. Oi? O rock está vivo, existe uma cena pulsante em várias cidades, de norte a sul. O mercado da música mudou muito, antes dominado por gravadoras que ditavam o ritmo da moda ou qual artista estaria em evidência dentro de cada gênero, passamos às plataformas digitais e gostos populares que se espalharam rapidamente pelos meios digitais, que acabaram recebendo apoio financeiro de setores econômicos de peso, como o caso agro e sertanejo. Mas as pessoas ainda gostam do estilo, existe sim uma demanda. A galera do rock precisa se unir, pensar em estratégia, precisa se reinventar. Algumas pessoas estão fazendo isso, mas ainda há muita resistência por aqueles que viveram o momento anterior e surfaram as melhores ondas. Essa história de “datar o rock” atrapalha. Precisamos evoluir, de um frescor.
Just Play! - Durante toda a sua trajetória, você começou como guitarrista, acompanhou outros artistas e depois de 10 anos decidiu seguir carreira própria. Como surgiu esse desejo e como foi esse processo?
Ellie - A minha primeira experiência no autoral foi como guitarrista na banda de rock paraense Álibi de Orfeu. Lá surgiram as primeiras composições em grupo, tudo muito tímido, porém eu mal sabia que ali estava sendo plantada uma sementinha. O desejo de viver novas experiências e novas trocas me motivaram a seguir como guitarrista solo, fazendo participações e shows com artistas de diversos estilos da cena autoral. Foi um ano circulando por casas de shows, teatros, conhecendo tanta gente potente que tudo isso foi me inspirando muito. Depois dessa temporada de apresentações, o forte desejo de dar meus próprios passos, apostando em novos desafios e me colocando à frente dos meus projetos, me fez questionar o que eu queria num futuro próximo.
E eu lembro perfeitamente desse dia. A pergunta foi: onde eu quero estar dentro da música? E a resposta foi rápida: quero fazer um álbum como cantora e compositora.
Essa conversa com meu alter ego foi no ano de 2016. Em 2019 lancei meu primeiro álbum solo como cantora, compositora e guitarrista chamado “Crisálida”.
Just Play! - Qual é a maior diferença entre estar acompanhando uma banda e estar como artista solo?
Ellie - Com banda você depende do coletivo para tomar as decisões e normalmente essas etapas são mais lentas, é preciso ponderar muito, como em qualquer relacionamento, e quando o grupo não está 100% alinhado com propósito de carreira o trabalho tende a desandar. Eu vivi muito isso nas duas bandas que tive. Já a carreira solo você é livre para decidir o que quer e onde você quer chegar com mais facilidade, mais fluidez. Só precisa ir. Essa liberdade que eu prezo muito.
Just Play! - O disco Crisálida fala sobre temas de questões femininas. Como foi o processo de composição e inspiração das músicas?
Ellie - Essa pergunta é ótima. Não pude fugir muito do tema considerando quem eu sou e de onde eu vim. Imaginem uma mulher tocando guitarra num ambiente extremamente machista, sendo colocada à prova em diversas situações. Às vezes eu usava roupas bem largas para seguir um estereótipo e passar despercebida por eles, sem contar a minha vida pessoal, onde o machismo também era forte . Eu estava gritando por dentro!
Tive muita sorte e a honra de me conectar com tantas mulheres artistas e instrumentistas e essa conexão se tornou ainda mais poderosa depois que eu optei pela carreira solo. As histórias dessas mulheres que me fizeram acreditar que era possível eu me libertar e elas viraram parceiras em composições. Nada melhor do que começar pela liberdade de ser mulher e tantas outras questões que norteiam nossas vidas com o prazer o feminino, os estereótipos da bela recatada e do lar, sobre a violência doméstica, empoderamento feminino e relacionamentos abusivos.
Just Play! - As mulheres ainda lutam por um espaço de igualdade de gêneros e isso também na indústria musical? Qual a sua opinião sobre a cena feminina no rock nacional?
Ellie - Vejo uma cena potente de muitas bandas e artistas produzindo. É interessante observar o protagonismo das mulheres dentro dos subgêneros do rock. Se antes eu contava no dedo quantas mulheres instrumentistas ou bandas com alguma mulher na formação, hoje já perdemos as contas. Infelizmente falta muito para que nós mulheres ocupemos os mesmos espaços que os homens, seja dentro dos grandes festivais ou nas mídias. Num estilo extremamente machista onde os ícones do rock são pautados pelo gênero masculino não nos surpreende o gap que existe entre Rita Lee e Pitty.
Just Play! - Quais são os seus planos para o futuro na música?
Ellie - No contexto atual, o futuro é daqui a três meses, no máximo, né? (risos). Digo isso porque já montei o meu cronograma para 2021, mas não sabemos como essa pandemia vai se comportar, com governos usando a vacina como insumo político. Mas sejamos otimistas e digamos que um grande grupo será vacinado ainda no primeiro semestre e já tenhamos melhores perspectivas para a segunda metade do ano: nesse cenário consigo manter os planos de lançar músicas novas, mostrar o que veio depois da fase do casulo. E para quem curtiu o disco vai rolar um surpresa. Será um ano que ainda estaremos nos recuperando do apocalipse que foi 2020 para toda cadeia produtiva da música, mas não podemos perder a fé de que dias melhores virão.
Conheça o trabalho da Ellie Valente:
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