Diretamente de Belém do Pará, Brenda Zeni mostra com muita atitude que a cena underground está mais viva do que nunca no Brasil. A artista já se apresentou em diversos festivais, esteve em bandas macapaenses, e desde 2015 que ela trabalha no seu projeto autoral.
Hoje ela representa o Mulheres na Música, onde vai contar um pouco sobre a sua trajetória musical, experiências e planos para o futuro.
Confira aqui:
Just Play! - Como começou o seu contato com a música e em que momento você decidiu seguir com a carreira?
Brenda - Na infância eu já sentia uma conexão, mas foi adolescência que eu quis demais ter um violão, que eu ganhei com uns 17 anos. Aí eu mudei pro estado, onde passo a maior parte do tempo hoje, no Amapá. E aqui morando com uma tia minha eu fui descobrir a cidade, me aproximei dos músicos, comecei a fazer o cover e depois de uns anos eu decidi que era hora de começar a produzir o meu próprio som. Eu comecei a produzir em 2015 numa época que parecia um hiato da cultura alternativa, então me sentia até um pouco só. Não tinham quase estúdios de gravação no estado. Mas eu iniciei um relacionamento profissional com o Alan Flexa, que estava reformando o seu estúdio e cerca de um ano depois ele passou a ser meu produtor. Nessa época eu estava terminando a faculdade de comunicação, que foi o meu real motivo de ter vindo para o Amapá. Eu já trabalhava na área. Era gerente de marketing em uma das grandes lojas de varejo do estado. E depois de findar a faculdade e resolver algumas questões financeiras eu decidi – com muito frio na barriga - largar o varejo e investir na cultura. Eu falo cultura e não música, porque o setor cultural é imenso e a música é imensa, existem possibilidades quase que infinitas, dentro da música. E eu gosto de pensar com essa amplitude de mercado.
Just Play! -Você é uma artista experimental com uma (grande) pegada no Rock diretamente do Pará. Como é a cena do rock'n'nroll paraense?
Brenda - Acho que eu consigo te responder isso hoje. Se fosse há um ano, certamente pularia essa.
Mesmo tendo feito tudo no Amapá eu tive oportunidade de conhecer um pouco do rock paraense quando viajei pra shows em Belém. Conheci integrantes de bandas de expressão que pararam, como a Normanbates e Suzana Flag, que eram algumas das maiores bandas do estado. Nos rolês de Belém pude observar algumas outras bandas na ativa como Molho Negro, Turbo, Sammliz e Cout são nomes que vem na cabeça, agora. O rock paraense é muito diversificado. Tem vertentes variadíssimas.
Eu tenho uma proximidade maior com algumas rockeiras de lá devido a um coletivo de mulheres que iniciei hão alguns meses, como a Lari Xavier e Inesita, que faz um som muito interessante com uma pegada mais rock indie e regional. Adoro a mistura que a Inesita faz do rock com o Carimbó e sintetizadores. Fantástica.
Agora aproveito pra falar da cena rock do lugar onde eu produzo, onde eu vivo. No Amapá temos bandas de rock muito boas, também. E eu percebo o movimento fraco das bandas por volta de 2014, 2015... Logo depois disso parece que as bandas começaram a correr para os estúdios. Sinto o autoral amapaense vivo desde aí, mas tem muita história antes, só que eu andava no cover, ainda. Então prefiro não me arriscar. Mas nesse hiato em que as bandas amapaenses, parece que se recolheram, e eu passei a produzir e lançar. Era 2017. Mas citando bandas do Ap, temos Dezoito 21, Godivas (que ta em estúdio no seu primeiro EP), Stereovitrola (muito aprecio, essa. É psicodélica.), Vennecy (entrando no autoral agora)...muitas bandas começando tem pouco tempo.
Acho que o aumento está diretamente ligado com a facilidade de produção hoje. Temos estúdios muito bons e acessíveis aqui. Você consegue gravar uma faixa por valores que eram impossíveis de praticar antes. Eu gravo na Zarolho Records. Devo muito ao meu produtor, Alan Flexa. Na maioria das vezes, muito cabeça aberta pras minhas loucuras.
Mas uma coisa que eu sinto falta nas bandas de rock amapaense é justamente essa mistura das vertentes nortistas ou amazônicas de qualquer forma, que eu vejo claramente nas paraenses. Tínhamos a Morrigam, que acompanhei pouco antes de pararem, mas gostei demais do trabalho. Um rock bem pesado e as letras falavam de lendas amazônicas, era muito bom. A vocalista era foda! Não sei o que aconteceu com a banda. Tem a banda O Sósia, que faz uma pegada brega-rock, que é muito boa, também. Mas são poucas bandas que fazem isso. E isso é essencial pra comunicar pro mundo a sua identidade. De onde você vem. E eu, que finalmente acordei do pesadelo de resistir ao regionalismo, to entrando nessa muito feliz da vida.
Just Play! -Durante a sua trajetória na música, você passou por algumas bandas macapaenses e, atualmente, tem seu projeto solo. Para você, qual foi a maior diferença entre estar numa banda e agora fazer o seu próprio trabalho?
Brenda - As responsabilidades, com certeza. O que é a sua parte e o que é tudo culpa sua. Antes de agora só tive bandas cover. Tentei montar trabalhos autorais com os músicos da época, mas convencer pessoas a apostar no mercado da música autoral é missão complicada. Ainda mais quando você não tem muito onde se espelhar. Era aquele hiato das bandas de rock, que eu falei antes. Então eu decidi alugar as pessoas. Passei a compor até onde eu podia, fui para o estúdio e disse para o Alan Flexa (meu produtor, hoje) “não tenho banda. Você conhece músicos que gravem?” E foi assim que eu nasci. E até hoje é assim. É aí que vem o lado bom e ruim de ser dona de tudo. Mas é a saga do músico atual. Esse negócio de estrela do rock que não mete a mão na massa, hoje, não existe mais, creio eu.
Just Play! - O seu projeto mais recente se chama "Minas Armadas". É um trabalho que reforça na guerra contra a opressão masculina. Como foi a produção e o processo de composição desse trabalho? E por que a escolha do tema?
Brenda - "Minas Armadas" já vem maturando na minha cabeça desde 2018. Quando eu participei de um festival feminista em Tocantins, chamado Sonora. Sensacional! Devo a aquelas mulheres, eternamente, por terem selado uma transformação que vinha rolando dentro de mim. Aí em 2019 eu escrevi sobre essa música - que existia só em algum canto da minha cabeça – em um projeto e a ideia dela foi aprovada. Eu tinha uns rabiscos dela e praticamente me tranquei no quarto por uma semana experimentando as ideias. E ela saiu.
É a primeira música que eu produzi quase que 100%. Eu fiz todo o desenho dela em casa. Toquei as guitarras, gravei vozes e escolhi a levada da bateria em aplicativos. Viva a tecnologia! O baixo desenhei já no estúdio, na hora do valendo, com o Telon (baixista), que é a única pessoa que considero parte da minha banda. Os teclados vieram depois, quando tocamos ao vivo com um tecladista. Ficou ótimo e decidi gravar. "Minas Armadas" traz a revolta do momento de quando você percebe que foi enganada a vida inteira. Parece o “Show de Truman”, mas estão todos enganados, só que quem sofre mais somos nós, mulheres.
Just Play! -Qual é a principal mensagem como artista em relação às pessoas que te acompanham? Encorajar as mulheres a fazerem o que querem? Emponderamento? Auto-aceitação?
Brenda - Acho que é algo no rumo do...”dá pra fazer, sim. Eu te ajudo no que eu puder”. Que acaba caindo no emponderamento, mas a palavra já ficou gasta. Precisamos de sinônimos pra fazer o ânimo respirar. No momento as mulheres são meu foco. Eu estou nesse fôlego de degustar de amizades femininas, que eu nunca tive. É um mundo completamente novo, apesar de eu sempre ter sido mulher. Mas negava toda a beleza da complexidade feminina, então me cercava de homens, por achar que eles eram mais fortes.
Just Play! -Você é uma artista feminista no meio do rock, que é um ambiente que ainda luta contra o machismo. Você já passou ou presenciou alguma situação desagradável no meio musical por conta do ambiente machista? Como reagiu?
Brenda - Não descaradamente. Mas sempre me senti subjulgada. Já recebi cachês menores do que uma banda liderada por um homem e ficava sempre aquela pergunta na minha cabeça, “mas por que eu ganho menos?”. Se até materiais a mais eu levada pra melhorar a qualidade do som no local. Eu não entendia na época e isso me enlouquecia. Ficava aquele peso enorme de você achar que o mundo está contra você e que a vida é assim mesmo.
Mas uma das vezes que reconheci algo foi quando findei uma parceria por vários motivos, mas um deles foi uma das gotas finais. O rapaz com quem tocava a anos simplesmente disse que eu não entendia nada de rock porque eu não conhecia determinadas bandas. Fiquei pasma. E eu me perguntei na época se ele já teria dito isso pra outros caras do jeito que ele me disse. Estávamos a minutos de nos apresentarmos em uma tocada que EU havia conseguido. Que maluco! Tivemos mais uma apresentação no dia seguinte e eu disse “tá aqui seu pagamento, estou te liberando de tocar comigo, porque tu fosses horrível comigo ontem. Adeus.”
Just Play! - As mulheres ainda lutam por um espaço de igualdade de gênero e isso reflete também na indústria musical. Qual é a sua opinião sobre isso? O que falta para que uma artista mulher tenham o mesmo reconhecimento que os homens?
Brenda - Acredito que falta justamente o reconhecimento do que é uma mulher. No geral, sabemos que como os homens, não tivemos a mesma trajetória e oportunidades fundamentais. Quantas mulheres deixaram de ser artistas porque tinham que arcar com responsabilidades que deveriam ser divididas entre os dois? E tem o fato de nossa vida ser muito mais complexa e de que sempre será. Por exemplo, nós é que fazemos os bebês, nós menstruamos, temos mudanças de humor hormonais. Algumas coisas serão sempre nossas. Então o que falta ainda é o básico do respeito e reconhecimento do dia a dia que pertence as mulheres, como uma ser humana, que tem suas particularidades e necessidades.
Just Play! - O que podemos esperar dos seus projetos futuros?
Brenda - Mãe Zeni traz ótimas previsões (risos). Estou mergulhando no regionalismo sem medo de ser feliz no rock. Como é bom aprender a misturar tudo sem medo de se perder. E se perder sem perder nada. Adoro causar confusão. Acho que "Mar Abaixo" – canção nova – vai fazer um bocado disso. Eu não sei se alguém já fez isso, mas eu vou eletrizar e sintetizar o marabaixo, que é o ritmo com tambores e vozes que comanda a cultura fundamental do estado. Estou trabalhando nela neste exato momento. Vai ser um clima de ritual com o discurso afim de limpar o sangue feminino, mais conhecido pelo nome menstruação. Quero ajudar a tirar esse ranço que colocaram nesse sangue do qual vieram todos os seres humanos que tu e eu conhecemos.
E pretendo viajar também, muito, em 2021. Xô “coronga”! Tenho estudado um bocado a construção de projetos e vou aplicar nas andanças pelo Brasil, quiçá pelo globinho. Muita saúde a todos nós.
Conheça o trabalho de Brenda Zeni:
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